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Se estar no meio de uma multidão nem sempre significa estar acompanhado, estar sozinho, contraditoriamente, pode ser sinônimo de se sentir completo.
Isto é o que sintetiza o pensamento de moradores de Curitiba que, para este réveillon, escolheram ficar sozinhos, sob o prazer da própria companhia.
O dicionário dá nome para isso: solitude, termo originário na língua americana e que, apesar de indicar reclusão, não é sinônimo de sofrimento.
A curitibana Juci Tortato, terapeuta de 56 anos, passa a festa da virada sozinha desde 2019, normalmente no apartamento onde mora, no bairro Água Verde. Por escolha, sem arrependimentos e segundo ela, sem tristeza.
“Desde que comecei a fazer isso, eu me senti melhor. É sobre estar bem na própria companhia. Porque se eu não estiver bem comigo mesma, eu não vou ficar bem com os outros. É sobre se colocar em primeiro lugar”.
Juci conta que a data se tornou, além do conhecido período reflexão, um momento para se sentir mais próxima dela mesma. E não é porque ela está sozinha que não há tradição e rituais.
“Faço a minha ceia, arrumo a minha mesa, curto o meu momento. Gosto de eu mesma fazer o meu jantar, colocar todo o amor, toda a gratidão nesta comida que eu vou comer na virada. Sempre faço a minha oração, agradecendo e pedindo. Tomo o meu frisante e agradeço por tudo, e por estar aqui, viva”.
A família de Juci vive em Curitiba e, de acordo com ela, entende e respeita a escolha. Em outras datas, segundo Juci, ela se reúne com a família normalmente.
“No Natal eu estive com eles. Depois da virada, ou eu vou na casa de algum deles, ou eles vem aqui, quando dá”.
Curitibana diz que não é porque passa a data sozinha, que gosta menos da família — Foto: Giuliano Gomes/PR PRESS
Na hora da virada, geralmente Juci está com a cadela, a Princesa, e eventualmente com outros poucos cães de amigos que viajam e não têm onde deixar os animais.
“Às vezes, as pessoas estranham, mas está tudo bem. Eu tenho amigos, pessoas que eu amo, família, mas neste momento eu gosto de ficar comigo mesma […] Nas festas tradicionais, mesmo no meio de uma multidão, há quem se sinta muito sozinho”.
Em um grupo que reúne milhares de moradores de Curitiba nas redes sociais, fica evidente que Juci não é a única a passar a virada sozinha – e estar tranquila sobre isso.
Publicação em rede social evidenciou pessoas que pretendem, por opção ou imposição, passar a virada sozinhas — Foto: Divulgação/Facebook
Em uma publicação feita no dia 28, uma participante do grupo instigou curitibanos a comentarem se passariam a data sozinhos ou não. Foram centenas de respostas afirmativas, entre elas, a da Kessy Lima, artesã de 47 anos.
Kessy mora no bairro Boqueirão e, como Juci, não vê obrigatoriedade em passar o réveillon acompanhada. Segundo ela, foram muitas viradas de ano sob a própria companhia.
Kessy diz que começou a aprender a gostar da própria companhia após sair de casa, no início da vida adulta — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
“Às vezes eu me reúno com alguma amiga, às vezes aparece um convite. Mas se não pintar nada, como já aconteceu muitas vezes, não me deixa chateada. As pessoas que me conhecem sabem que eu convivo muito bem comigo mesma. Eu tiro este dia para agradecer tudo que aconteceu no ano, repensar algumas coisas que deram errado e fazer novos planos”.
Na visão da artesã, depois que as pessoas aprendem a se curtirem sozinhas, tudo fica mais fácil.
“A coisa mais difícil pra mim, quando eu saí de casa, foi aprender a almoçar domingo sozinha. Se eu almoçava fora, ficava com vergonha quando via as famílias… Foi mais difícil foi vencer isso. Mas depois disso ficou tranquilo. Hoje eu vou na balada sozinha, cinema sozinha, viajo sozinha. E isso não quer dizer que eu não gosto de fazer amizades ou conversar”.
Para psicóloga Pâmella Batista de Souza, mestra em psicologia e terapeuta cognitivo-comportamental de adultos, o momento de reflexão que o réveillon proporciona resulta em comportamentos e ações variados entre as pessoas, incluindo o sentimento que algumas têm de quererem estar sozinhas, mesmo tendo com quem passar a data.
“Neste grupo de pessoas, é necessário tomar cuidado para que a gente entenda que isso significa que a pessoa não quer socializar. Podem ser pessoas hábeis em dialogar, interagir socialmente, mas nesta data, em exceção, preferem ficar assim. Não significa que a pessoa não gosta de socializar, não significa que a pessoa não gosta necessariamente da data, como também não significa tristeza”.
Paralelo ao pouco falado prazer na solidão que muitos encontram, não são poucos os amantes de reuniões grupais que se solidarizam quando percebem alguém com perfil recluso.
Dias antes do Natal deste ano, o comentário de assessor jurídico Loro Peixoto, baiano que mora em Curitiba há dois meses, chamou a atenção nas redes sociais por ele pedir indicações de locais que vendessem ceia para um.
“Eu recebi muitos comentários, vários maldosos, mas teve muita gente legal, que mesmo sem me conhecer me chamou para ir jantar com suas famílias. Eu acostumei a passar o final de ano sozinho, mas tenho algum convite, levo em consideração”.
Em 23 de dezembro, Loro pediu indicações de ceia para uma pessoa — Foto: Divulgação/Facebook
Loro disse que começou a passar as festas de final de ano sozinho há três anos, após terminar um relacionamento. No noite de Natal, ele foi a própria companhia, mas durante a manhã, aceitou o convite de uma desconhecida e foi almoçar no bairro Santa Cândida.
Loro fica sozinho em viradas de ano desde 2019 — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal
“Foi muito legal. Eu gosto de conversar, trocar ideia, não tenho problema com isso. Mas quando eu passo sozinho, também fico bem. Sou muito reflexivo, às vezes fico emotivo lembrando de tudo que já passei, pensando nas minhas filhas que não moram comigo […] Mas faço a minha refeição e preparo as metas do ano seguinte”.
A psicóloga Pâmella lembra que, pelo ano novo ser uma data muito simbólica, a forma que cada um escolhe para passar o momento varia muito.
“Pode ser porque são pessoas que já tem perfil mais reflexivo, às vezes mais intelectual, de querer parar e pensar. Como podem ser, também, pessoas que viveram anos difíceis, e querem refletir, se reorganizar para o próximo ano. Esta ideia de recomeço traz uma reflexão, em que as pessoas ficam mais sensíveis. E no meio dessa sensibilidade, as pessoas queiram viver o momento como fizer sentido para elas”.